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Porque os coiteenses não comemoram 132 anos de emancipação política em 2022?

Atualizado: 14 de ago. de 2022


No próximo dia 7 de julho, os coiteenses celebram a Emancipação Política do seu município, alcançada, de acordo com a memória oficial, pelo Decreto Estadual n. 8.528, de 7 de julho de 1933. Uma comemoração oficializada pelo Projeto de Lei Municipal n. 17/1974, o qual estabeleceu o dia 7 de julho como feriado municipal em comemoração ao aniversário de Emancipação Política de Conceição do Coité. Desde esse ato, o poder público municipal organiza no dia 7 de julho uma agenda festiva em memória à legislação que garantiu a independência administrativa da citadina coiteense.


Aindagação presente no título desse texto é fruto dos questionamentos elencados durante o processo de pesquisa da minha tese de doutorado, a qual investiga as relações entre religião e política em Conceição do Coité, durante a segunda metade do século XX. Apesar dessa questão não ser um dos objetivos norteadores da minha pesquisa, ao me debruçar sobre a conjuntura histórica de Conceição do Coité, o processo administrativo dessa cidade foi evidenciado. Desse modo, apresento, brevemente, aspectos históricos e reflexões em torno da Emancipação Política de Conceição do Coité presente em meu estudo, cuja conjuntura será aprofundada em outros trabalhos.


Primórdios


A ocupação das terras de Conceição do Coité, sobretudo a ocupação econômica, como também dos demais municípios pertencentes ao Território do Sisal, foi propiciada pela expansão da pecuária e pela agricultura de subsistência e remonta aos primeiros séculos da colonização portuguesa no sertão da Bahia. A agricultura se desenvolveu com a utilização das terras mais férteis para a produção de alguns gêneros agrícolas, como, por exemplo, feijão, mandioca e milho, produzidos nas fazendas ou sítios, que foram criadas a partir do processo de desmembramento da sesmaria dos Tocós, no século XVII, pelos herdeiros de Antonio de Guedes Brito, o Conde da Ponte. As referidas unidades foram responsáveis pelo processo de povoamento desse território, principalmente fomentado pelas fazendas de gado.


Nesse período, as terras dessa região, em sua grande maioria identificada de Sertão dos Tocós ou Pindá, devido à presença de indígenas que, ao perderem suas terras no Recôncavo, fixaram moradias nessa região (BARRETO, 2007), foi ocupada pela utilização de “campos abertos” para a criação de uma pecuária extensiva. O objetivo inicial era abastecer os engenhos, visto que devido às condições climáticas, que propiciavam constantes estiagens, o desenvolvimento agrícola enfrentava grandes dificuldades. Por outro lado, segundo o historiador Luiz Cleber Morais Freire (2007, p. 26), “a caatinga mostrou-se de fácil adaptabilidade para o desenvolvimento da pecuária bovina.”



Desse modo, o desenvolvimento da pecuária bovina nas terras afastadas do litoral resolveu duas questões: “atendiam as queixas dos proprietários de canaviais”, prejudicados pela invasão do gado em suas plantações de cana-de-açúcar; e “solucionavam a questão da ocupação do interior” (FREIRE, 2007, p. 26). Na região, a expansão da pecuária, desenvolvida após a expulsão dos índios Tocós pelo exército particular do sexto Conde da Ponte, João de Saldanha da Gama Melo Torres Guedes de Brito, propiciou a abertura de fazendas para a criação de gado e das estradas de boiadas, visando atender ao escoamento da produção pecuária, que abasteceria as regiões auríferas e o litoral. Essa conjuntura foi fundamental para a formação do Arraial de Coité, espaço incluído nos trajetos da famosa “Estrada Real do Gado”, importante via de comunicação entre o Recôncavo e o interior baiano.


A descoberta das minas do Rio de Contas e Jacobina, no século XVII, intensificou a formação de novas estradas. Nesses novos percursos, o Sertão dos Tocós se tornou ponto de repouso e comércio, devido, provavelmente, à necessidade de suprir demandas exigidas pelas minas de Jacobina. Assim, muitos sujeitos fixaram moradias nos trajetos que levavam ao ouro e se inseriram na atividade agropecuária dessa região, por ser a principal abastecedora da dinâmica do comércio interno dessa parte da Bahia. Luiz Freire (2007) destaca que, em 1851, a “Estrada Real do Gado” foi alvo de reivindicações, por parte dos habitantes de Vila Nova Rainha, atual cidade de Senhor do Bonfim, de Juazeiro e de Conceição do Coité, com a finalidade de alterar o seu trajeto, e, portanto, encurtar a estrada em até cinco léguas, assim percorreria Conceição do Coité sem precisar passar pela cidade de Serrinha.


Destarte, à medida que a pecuária avançava pelo sertão baiano, pequenas e médias propriedades foram multiplicadas, porém os grandes pecuaristas eram donos de várias fazendas de gado, sendo Conceição do Coité uma das localidades onde se concentrava a maioria delas. Além das estradas de boiadas serem significativas para o desenvolvimento de Conceição do Coité, pois elas oportunizaram essa região se transformar num dos grandes pontos de comercialização de gado, contando com fazendas maiores do que as unidades próximas de Feira de Santana (FREIRE, 2007), a presença da ferrovia, partindo do porto da Bahia até às margens do rio São Francisco, possibilitou novos horizonte.


Processo


Administrativo Concomitante ao início da construção da ferrovia Bahia-São Francisco, o Arraial do Coité foi elevado à categoria de Freguesia Nossa Senhora da Conceição do Coité, desmembrando-se de Água Fria e passando a pertencer à Vila de Feira de Santana, em 1855. A elevação à Freguesia demarcou seu espaço político-administrativo e consolidou o sentimento católico nesse recorte do sertão baiano, expresso no seu topônimo que também se refere à presença de uma planta chamada “cuitezeira”, de cujos frutos fazem as cuias, por isso a derivação Coité.



Sete anos após a inauguração da Estação Férrea de Salgadália, em 18 de dezembro de 1890, a Freguesia se tornou Vila, se desmembrou da Vila de Feira de Santana e passou a estar vinculada pelos termos eclesiásticos à Vila de Nossa Senhora da Conceição de Riachão do Jacuípe, instituída em 1 de agosto de 1878. Provavelmente, a presença dessa via férrea tenha intensificado o processo de urbanização dessa região, proporcionando novas vias de comunicação e mercado, novos serviços com mão de obra especializada, que igualmente contribuiu para a evolução política desse território. Nas primeiras décadas da República, a Estação Férrea de Salgadália continuava viabilizando marcos de desenvolvimento para Conceição do Coité. Em 13 e 27 de março de 1927, o jornal O Serrinhense publicou nas capas de duas edições artigos referentes à inauguração do sistema telefônico da estação, que estabeleceria contato com a sede da Vila e com outras regiões. O Serrinhense compreendeu que, a partir desses marcos, os coiteenses compartilhavam dos ares de progresso e de civilidade daquele tempo, uma vanguarda que possibilitou Coité “marchar a passos largos para o progresso” (CONCEIÇÃO..., 1927, p. 1).


Todavia, no âmbito administrativo, essa marcha foi reduzida no ano de 1931, em razão da promulgação da Lei de Organização Municipal, realizada por Arthur Neiva, interventor federal da Bahia, que suprimiu os municípios com menos de 20 mil habitantes e com arrecadação considerada insuficiente, os anexando novamente aos territórios que anteriormente tinham se desmembrado. Naquele período, a população coiteense correspondia a 17 mil habitantes. Desse modo, segundo o IBGE, Conceição do Coité foi anexado ao município de Riachão do Jacuípe pelo Decreto Estadual n.º 7.455 de 23 de junho de 1931. A memória oficial afirma que pelo Decreto Estadual n.º 7.479, de 8 de julho de 1931, o distrito de Conceição do Coité deixou de pertencer ao município de Riachão do Jacuípe para ser anexado ao município de Jacuípe, criado pelo mesmo Decreto e possuindo os distritos de Candeal, Conceição do Coité, Gavião e Riachão do Jacuípe. Conceição do Coité alcançou autonomia política em 7 de julho de 1933, pelo Decreto n.º 8528, desmembrando-se de Jacuípe. (CONCEIÇÃO..., 1958).



Em 15 de novembro de 1931, o periódico O Serrinhense realizou a publicação de duas atas oficiais do município de Jacuípe, correspondentes à comemoração do aniversário da Revolução de 1930 e à instalação da Estrada de Rodagem, que ligava Jacuípe ao arraial de Valente e indicava o Coronel Vespasiano Pinto da Silva como o prefeito da Vila de Jacuípe. Nessas publicações, as atas informavam que a sede do município de Jacuípe correspondia a anterior cidade de Conceição do Coité, mantendo a sua estrutura de poder no recente município. Assim, Conceição do Coité havia apenas substituído o seu topônimo para Jacuípe e anexado o território de Riachão do Jacuípe (PUBLICAÇÕES..., 1931).


Analisando o referido Decreto Estadual n. 7.455 de 23 de junho de 1931, consta que tanto Riachão do Jacuípe quanto Conceição do Coité foram suprimidos e seus territórios constituíram o município de Jacuhype, (BAHIA, 1931b) cuja sede da vila era em Conceição do Coité: “Jacuhype, abrangendo os territórios dos municípios de Conceição do Coité e Riachão de Jacuhype, com séde na villa do Jacuhype, ex-Conceição do Coité [sic]”. (BAHIA, 1931a, p 5878-5879). Essas informações evidenciam a necessidade de compreender melhor esse processo administrativo, visto que pelo Decreto n. 8.528, de 7 de julho de 1933, foi restabelecido a denominação Conceição do Coité para o atual município de Jacuípe e revogados os decretos anteriores, “revogam-se as disposições em contrário” (BAHIA, 1933, p. 7473).


Questionamentos Diante do exposto, meu objetivo não foi responder a indagação presente no título desse texto, mas oportunizar uma reflexão em torno dos motivos que conduziram os coiteenses a não estabelecerem o marco de sua emancipação o processo administrativo realizado pelos Atos de dezembro de 1890, assim como fez Riachão do Jacuípe, que mesmo sendo atingido pelas reformas administrativas do governo de Arthur Neiva, celebra sua emancipação política tendo a Lei Provincial n. 1823 de 1 de agosto de 1878 como marco oficial. Ainda mais, que Decreto n. 8.528, de 7 de julho de 1933, revogou as disposições em contrário, logo, entende-se que os Atos de dezembro de 1890 foram mantidos como marcos da emancipação política de Conceição do Coité, assim, alcançando 132 anos, em 2022. Penso que a investigação desses eventos oportunizará entender as relações de poder que foram instituídas nesse contexto e como elas operaram na construção do passado dessa região. Além disso, compreender os motivos da constituição de uma memória oficial que desconsiderou os efeitos dos decretos sobre a extinção de Riachão do Jacuípe e Conceição do Coité e a criação do município de Jacuípe, bem como a sua extinção. Elementos que serão analisados em outro momento.


Cristian Barreto de Miranda

Professor de História e egresso do Colégio Polivalente de Conceição do Coité.

Doutorando em História Social (PPGH-UFBA)


Referências


BAHIA. Decreto n. 8.528, de 7 de julho de 1933. Diário Oficial do Estado da Bahia, Salvador, ano XVIII, n. 200, p. 7473, Decreto n. 7. 479, de 8 de julho de 1931. Divide para fins administrativos, o território do Estado da Bahia em municípios. Diário Oficial do Estado da Bahia, p. 5875-5879, 9 jul. 1931a.


BARRETO, Orlando Matos. Conceição do Coité da colonização à emancipação: 1730-1890. Conceição do Coité-Ba: Nossa Editora Gráfica, 2007.


FREIRE, Luiz Cleber Morais. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra: agropecuária, escravidão e riqueza em Feira De Santana, 1850-1888. 2007. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007.


OLIVEIRA. Vanilson Lopes. Conceição do Coité: A capital do sisal. Conceição do Coité-Ba: Clip Serviços Gráficos, 1996. PUBLICAÇÕES oficiais do município de Jacuípe, ex- Conceição do Coité. O Serrinhense, Serrinha-Ba, ano VIII, n. 28-376, p. 3, 15 nov. 1931.


 
 
 

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